Nos anos 90, inúmeros quadrinhos
tomaram o mercado com fôlego diferenciado. Trazendo principalmente por parte
dos autores, novas formas de olhar e estética que saiam do arquétipo do herói (comum
e responsável por anos a fio pelo sucesso e retorno), o momento apresentava uma
profunda observação dos personagens enquanto indivíduos, providos não somente
de virtudes (típico ideal apolíneo, que norteia a mente dos criadores,
sobretudo dos Super-heróis tradicionais), mas de entendimento de que os seres são
compostos também da violência, amoralidade e falta de ética. Assim, sem perder
os efeitos da humanidade em sua plenitude boa e má, nomes como Garth Ennis,
despontaram para o mundo. Juntamente com o desenhista Steve Dillon, Ennis criou
a antológica série de quadrinhos chamada Preacher,
publicada pelo selo Vertigo da DC Comics. Com uma história que envolve um
pastor possuído por forças sobrenaturais, sua ex-namorada e um excêntrico vampiro
irlandês que fogem da polícia, de assassinos seriais, de organizações secretas
e de um pistoleiro que ressurgiu do século XIX, é absolutamente impossível
esperar pelo convencional. No entanto, algo interessante durante a publicação
da série foi à criação de pequenos eventos paralelos dentro da trama, sobretudo
os que envolviam personagens que surgiram durante o processo. Um deles,
relacionado diretamente com uma ocasião da época: a morte de Kurt Cobain, líder
do Nirvana.
Publicado originalmente nos EUA
em dezembro de 1996 (e no Brasil somente em 1999), um ano e meio após a morte
de Cobain, com o insinuante título “The Story of you-know-who” (A história de
você-sabe-quem), a edição especial de Preacher trazia a tona a origem de um
personagem anti-herói que se chamava “Cara de Cu”, incidente em algumas
passagens da série. O vilipendioso nome se dava por conta de um rosto absolutamente
deformado cuja aparência remetia a titulação do mesmo. Este é o jovem
Root, apelidado também como “Fodinha”, que se masturba frequentemente e vive
com a mãe alcoólatra e dependente de remédios e o pai, um xerife violento,
racista e também alcoólatra, que o espanca frequentemente por ele não ser “normal”
como os colegas que jogam futebol e vão estudar em colégios de renome. Na
escola, sofre bullying, principalmente por parte dos fortões que são reprimidos
por seu pai, ao serem pegos usando coisas ilícitas pela cidade, além de ser
tratado como idiota pelas garotas e pelos professores. Sobrou-lhe Pube, seu
melhor e tosco amigo, com quem divide o consumo de drogas e é responsável por ter
lhe apresentado o Nirvana. Com a notícia da morte de Kurt e após tomar uma
surra dos fortões da escola, Pube convence Root a roubar o rifle do pai mais
uma vez (já havia feito antes apenas para acabar com o cachorro do vizinho), a fim
de que pudessem dar cabo das próprias vidas. Pube se suicida colocando a arma
na boca e Root, diante da situação se vê obrigado a fazê-lo também. Sem
sucesso, pois colocou a arma o queixo e não na boca, o resultado foi uma
deformação total em seu rosto, conferindo-lhe uma aparência bizarra. Nestas
condições, sua participação na saga criada por Garth Ennis estava mais do que
garantida. Acredita-se que para a criação do personagem, o autor tenha se inspirado
na famosa história de dois jovens norte-americanos que combinaram suicidar-se
após ouvir a música “Better by you,
better by me”, do Judas Priest, nos anos 80. O caso gerou grande
repercussão exatamente pelo fato de um dos jovens ter sobrevivido e ficado
deformado ao não conseguir seu objetivo. As famílias processaram a banda
liderada por Rob Halford, que acabou inocentada ao final. Sinistro!
Para saber mais:
O caso Judas Priest:
Preacher: