No ano de 1999, o primeiro número
da minisérie The Sandman Presents: Love Street foi lançado nos EUA. Inspirada
em uma música de mesmo nome, gravada pela banda The Doors, como a segunda faixa
álbum Waiting for the Sun (1967), o autor Peter Hogan buscou em sua
adolescência a ambientação ideal para imaginar como teria sido conviver nos
anos de rebeldia, com uma lenda das HQ’s: John Constantine, um manipulador de forças sobrenaturais entre o céu e o inferno, criado pelos geniais Alan Moore, Steve Bissette e Totleben John, do selo Vertigo, braço da DC Comics. Usando como fundo a
atmosfera da paz e amor, que adornava a mentalidade dos jovens que propunham
uma transformação do mundo nos idos anos 60, sob a influência da Era de
Aquário, tendo os hippies como mestres de cerimônias e mediadores dos
conhecimentos ocultos, Hogan procura não somente usar Constantine como uma peça
do seu “alter ego” em uma história sobrenatural,
mas posicionar-se criticamente sobre sua geração. Em texto publicado
originalmente na seção On the Ledge da revista (que na edição brasileira de
2002, apareceu na contracapa do volume um), escreveu:
“Em 1968, eu era muito parecido com a versão adolescente de John
Constantine (...) Como ele eu fingia ser alguns anos mais velho, para poder
trabalhar na imprensa clandestina e fumar maconha nos quartos de Notting Hill,
com meus amigos hippies de vinte e tantos anos – o equivalente a fugir de
casa para se juntar a um circo.Eu vi
bandas importantes de graça no Hyde Park, aprendi a andar descalço em qualquer
lugar (...), e fiz várias coisas idiotas. Felizmente, o mundo era mais inocente
na época (...) E é claro, a diversão não durou. “Eu odiei o que os hippies se
tornaram,” Constantine comenta em Love Street, e eu concordo – o começo dos
anos setenta foi realmente perigoso, o clichê hippie que as pessoas lembram.
Mas eu adorava como eles começaram, e de uma certa forma, eu ainda gosto.
Questionaram e arriscaram, criaram livros estranhos, trazendo muito barulho e
cor para o mundo; entrar no jogo gargalhando sem medo de passar por idiota
enquanto buscavam a sabedoria. Resumindo, eram todos os bons motivos para ser
adolescente (...)“Por outro lado, como a maioria dos adolescentes eram um pouco
bagunceiros. Verdade seja dita, havia várias boas atitudes sociais e conceitos
filosóficos (além das roupas) que agora admitimos que foram testados pela
primeira vez na época, e não há como negar que era um processo interessante,
mas também era altamente tapado e carecia de qualquer tipo de senso
discriminatório. Eu odeio falar mal dos mortos, mas Timothy Leary era um idiota
perigoso – embora na época, ele geralmente gozava de do mesmo respeito que
Buda. E não deixe ninguém lhe enganar dizendo que os anos sessenta eram anos
dourados. Eles foram, na realidade muito sombrios, um tempo cinzento, onde
todos aqueles grandes discos e programas de TV que as pessoas lembram vieram
bem lentamente, na verdade em doses pequenas, e brilharam como diamantes em
meio a tanta lama. Você pode ir comprar o melhor agora – apenas agradeça por
não precisar escutar o resto, ou tenha que lidar com aquele mundo”.
A história se passa em dois
momentos: no presente (1999), quando uma amiga sua e de John Constantine encontra-se em
estado terminal em um hospital. Com o desenrolar dos fatos, a ação volta para o
ano de 1968, quando um grupo de amigos que vive do ideário hippie concentra-se
em uma festa promovida por um guru espiritual. Acidentalmente, após manusear e
repetir algumas frases de um livro mágico, um deles liberta uma entidade que
toma o corpo de uma jovem (a mesma que no futuro está morrendo). A reunião no presente, dos
amigos que estavam no evento passado, é a única alternativa de
libertar a alma da amiga para descansar em paz. A confluência com os Perpétuos
(personagens do universo Sandman) acontece neste momento, pois por alguma razão,
Lorde Morpheus, o mestre dos sonhos está desaparecido à quase 50 anos (que numa
conta rápida equivaleria ao período das duas grandes guerras mundiais e
explosão da sociedade de consumo), e seus companheiros do além estão em busca
de alguma forma de trazê-lo de volta. Ao
recorrer ao encontro de amigos para rememorar o passado e, juntos lutarem pela
liberdade da alma de outro amigo, Peter Hogan recorre não somente a nostalgia pela
memória das vivências, mas ao que verdadeiramente reconhece como aquilo que ficou
de todas as experiências. E não obstante, a música, como neste caso, é o
veículo de viagem no tempo, criação e reconstrução de sentimentos:
“Love Street não é apenas sobre 1968. É ambientado também em 1999, e é
como as histórias acabam. Sobre amizades que voltam a brilhar após décadas de
separação, sobre ser honesto com você mesmo e mãos ideais de sua juventude conforme
você cresce. Será que eu ainda acredito que o amor é tudo que eu preciso?
Resposta não. Mas eu acredito que é tudo que realmente importa.”
Referência: Sandman Apresenta "Hellblazer - Love Street", de Peter Hogan, Michael Zulli e Vince Locke. Editora Brain Store. 2002.